Burrico ingênuo, paciente, amigo,
Ofenda alguma levas a mal,
Eu te saúdo porque contigo,
Num miserável e tosco abrigo,
Cantaram anjos pelo Natal.
Bem imagino toda a ternura
De tua longa contemplação
Ao ver deitado na palha dura
O Santo Filho da Virgem Pura,
Nossa Senhora da Conceição.
Ali ficaste quietinho, a um canto,
E com teu bafo davas calor
A quem de frio tremia tanto,
Mas que dos olhos jorrava um pranto
Quente, esquentado num grande amor.
Teus grandes olhos embevecidos,
Nadando em água, cheios de luz,
Em si puderam ter refletidos
- Como dois lagos no areal perdidos –
Os céus, que à terra trouxe Jesus.
Nunca pensaste, nas caminhadas
Que tu fazias pelos trigais,
Passar as horas abençoadas,
Por nós de novo sempre invejadas,
No mais sagrado entre os currais.
Que santo pasmo se terá visto
Entre os pastores (foi ou não foi?)
Quando, num quadro todo imprevisto,
Viram deitado Jesus, O Cristo,
Entre um burrico e um manso boi.
Por que é que a aurora, cheia de orvalho,
Caiu radiante sobre Belém?
E te puseram para o trabalho
Trocando aquele bom agasalho
Pelas frialdades do campo além?
Embora preso nesta labuta,
Ligado à relha, mandado arar,
De ouvido atento, pára, perscruta
Se, bem distante, naquela gruta
O Menininho pôs-se a chorar.
Ó burro ingênuo, criatura mansa,
Da mesma terra do Rei Davi,
Minha alma nunca, jamais se cansa,
Tem sempre o enlevo de uma criança
Se no presépio te vê ali.
Nós te saudamos, paciente amigo,
Nós te invejamos, por bem ou mal,
Asno, que importa? Mas foi contigo,
Num miserável e tosco abrigo,
Que Jesus Cristo teve o Natal!....
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