quarta-feira, 9 de fevereiro de 2011

APARIÇÃO - Cruz e Sousa

Por uma estrada de astros e perfumes
A Santa Virgem veio ter comigo:
Doiravam-lhe o cabelo claros lumes
Do sacrossanto resplendor antigo.

Dos olhos divinais no doce abrigo
Não tinha laivos de Paixões e ciúmes:
Domadora do Mal e do perigo
Da montanha da Fe galgara os cumes.

Vestida na alva excelsa dos Profetas
Falou na ideal resignação de Ascetas,
Que a febre dos desejos aquebranta.

No entanto os olhos d'Ela vacilavam,
Pelo mistério, pela dor flutuavam,
Vagos e tristes, apesar de Santa!

SONETO - Alphonsus de Guimaraens

Deus é a luz celestial que os astros unge e veste,
E dessa eterna luz nós todos fomos feitos.
Um fulgor de orações brilha nos nossos peitos:
É o reflexo estelar dessa origem celeste.


O homem mais louco e vil, cuja alma ímpia se creste
Aos fogos infernais dos mais torpes defeitos,
De vez em quando sente esplendores eleitos,
Que tombam nele como o luar sobre um cipreste.


Quem não sentiu no peito a carícia divina,
A enchê-lo de clarões na transparência hialina
De um astro que cintila em pleno azul sem véus?


Tudo é luz na nossa alma, e o mais vil, o mais louco,
Bem sabe que esta vida é um sol que dura pouco
E que Deus vive em nós como dentro dos céus...

SONETO - Alphonsus de Guimaraens

Junto da Cruz, em pé, Maria estava,
e perto dela, João. Jesusm que os via,
Para os dois entes celestiais olhava,
Olhos saudosos de melancolia.

- "Eis teu filho, Mulher". E João chorava.
E a mesma voz dulcíssima dizia
Ao discípulo que Jesus amava:
- "Eis tua mãe." Pouco depois morria.

Sobre-humanas delícias nunca vistas
Vieram, brancas, beijar a Alma tão pura
Do mais suave dos Quatro Evangelistas,

Meigo S. João! fado de glórias pôs-te
A mão de Deus: que é a maior ventura
Ser amado de Cristo como foste.

MÃOS (SONETO) - Alphonsus de Guimaraens

Mãos que os lírios invejam, mãos eleitas
Para aliviar de Cristo os sofrimentos,
Cujas veias azuis parecem feitas
Da mesma essência astral dos olhos bentos;

Mãos de sonho e de crença, mãos afeitas
A guiar do moribundo os passos lentos,
E em séculos de fé, rosas desfeitas
Em hinos sobre as torres dos conventos;

Mãos a bordar o santo Escapulário,
Que revelastes, para quem padece,
O inefável consolo do Rosário;

Mãos ungidas no sangue da Coroa,
Deixai tombar sobre minh’ alma em prece
A benção que redime e que perdoa!

CONTENTAMENTO - Ribeiro Couto

Este ar tranquilo que me envolve,
A mansidão que me penetra,
Na noite fluida, transparente,
É tudo quanto eu desejava.
Que mais me falta, Deus louvado?

A lua vem, entre as ramagens
Do jardim que dorme na sombra,
Fazer-me suave companhia.

Esta doçura esparsa em tudo
(Que noite para amar a vida!)
Bem sei porque me põe num êxtase
É a esmola anônima do céu
Para a minha alma de homem grata.

Meu Senhor, minha boca é pobre
Para dizer toda a verdade,
Tudo que sobe do meu peito.

Meu Senhor, à minha família
Dá sempre saúde e paciência;
Aos meus amigos dá fortuna;
E ao mais indigno dos teus filhos
Este humilde contentamento.

PEQUENA IGREJA - Augusto Frederico Schmidt


Eu queria louvar-te, pequena e humilde igreja
Desta cidadezinha que está morrendo.
Eu queria agradecer-te a compreensão que me deste
Das coisas humildes e eternas.

Eu queria saber cantar a tua tranqüilidade
E a tua pura beleza,
Ó igreja da roça, adormecida diante do jardim cheio de rosas!
Ó pequena casa de Jesus Cristo, irmã das outras casas solenes e graves,
Escondida e modesta, com as tuas torres e os teus sinos
Que sabem encher o ar matinal com um tão doce apelo,
E no instante vesperal lembram que é hora de dormir para a grande família dos passarinhos inquietos,
Dos passarinhos que tumultuam o pobre jardim cheio de flores!

ESTAMPA DA PRIMEIRA MISSA - Murilo Araújo

Na terra amanhecida
entre as ondas a rir jubilosas de luz
e as árvores em flor, se ergue a árvore da Vida –
A Cruz.
Entre os tupis a marujada ajoelha.
Uma legião de beija-flores passarinha.

Então “no ilhéu chamado a Coroa Vermelha”
O Frei Henrique de Coimbra se aparelha
e em paramentos de ouro beija o altar…

A alma argentina de uma campainha
se une aos gorjeios da manhã solar...

Junto aos altos pendões do palmar nunca visto
treme um pendão mais alto, o estandarte de Cristo.

Longe um som de clarim morre em glória no ar.

As resinas do mato, onde em onde,
erguem incenso
turibulando pelos troncos bons.
Frei Henrique celebra e é Deus quem lhe responde
na voz do oceano, seu harmônio imenso,
rolando ao longe um turbilhão de sons.

As campânulas trêmulas nos galhos
tilintam à brisa
sua matina aos pingos dos orvalhos;
e a várzea que se irisa
oferenda ao Senhor
nas passifloras roxas os martírios
e na água em sono as ânforas dos lírios…
Há um repousório em cada moita em flor.

São candelabros de ouro os ipês flamejantes!
E ascenderam ao sol corolas delirantes
como se fossem círios
em louvor.

Quando a hóstia se eleva angelical
sobe com ela o sol no firmamento.

As borboletas – que deslumbramento! –
com os tucanos e arás de tom violento
pintam no azul policromias de vitral…
Canta a araponga na floresta longa
como um sino a tanger, dominical...

As naus florem de branco o deserto marinho,
Lembram virgens trazendo, em túnicas de linho,
na alva das velas uma cruz cristã;
e a patena do sol as consagrou com o vinho
aéreo da manhã.

Oh hora ingênua da Fé! Oh primeiro evangelho!
Pero Vaz escreveu que “um índio já bem velho
apontou para a cruz…” Oh gesto anunciador!

Cabral e os que domaram os sete mares
Unem as mãos tremendo de fervor.

E na luz recém-vinda
em bênçãos tutelares,
a terra em flor se alegra em jubileu…
“a terra graciosa” e tão nova e tão linda! –
a terra desde então desposada de Deus.